As lendas de Dandara

O espírito de comunidade que habita em mim, saúda o espírito de comunidade que habita em você.

Postado por Dandara Sousa em 28/06/2020 · 8 mins de leitura

Há um bom tempo eu sinto que devo esse post. Talvez devesse ter sido o meu “hello world” aqui, mas tudo no seu tempo. Quebrando um pouco a sequência técnica e quase séria de posts, esse é um mais puxado para um relato de experiência. Então é uma postagem bem pessoal, pessoal.

Entrei para Ciência da Computação em 2014, fiz grandes amigos desde a fila de matrícula no curso e posso afirmar que nunca me senti sozinha na minha estadia de graduanda. Meus amigos daquela época são uma segunda família que tenho e sem eles eu jamais teria terminado o curso. Fizemos quase de tudo juntos, estudamos, trabalhamos, bagunçamos, choramos, sorrimos… Mas Dandara é um bichinho social totalmente ciente da realidade dela enquanto mulher na computação. Sempre soube que seria minoria, desde quando em 2009 decidi fazer o curso.

Por sorte, destino ou aleatoriedade da vida, comecei a pesquisar sobre mulheres na computação com a professora Lívia, que era uma das minhas referências no curso. Nas reuniões na sala dela, também virava e mexia tinha pitaco de Raquel, outra professora, também referência para mim, que ficava na mesa vizinha. Em 2017 participei da organização de uma Semana Acadêmica de Ciência da Computação na universidade, e os professores que estavam liderando a organização decidiram que deveria ter um espaço na programação para as mulheres do corpo docente e discente.

E ali, meus caros colegas, naquele belíssimo dia de maio de 2017 minha vida tomou um rumo que nem nos meus melhores sonhos poderia imaginar. As professoras Raquel e Lívia mandaram um e-mail para mim, em resumo um “bora juntar essas garotas?” e eu com toda certeza nunca nego um “bora”, aceitei. Fizemos a convocação e lotamos o auditório do Laboratório de Sistemas Distribuídos (LSD para os íntimos). Ali estavam alunas recém-chegadas, alunas quase graduadas, alunas da pós, professoras… E deu tudo tão certo, tão certo que ali mesmo montamos um grupo no whatsapp e batizamos de Elas@Computação.

Foto da primeira reunião do Elas@Computação

Foto da primeira reunião do Elas@Computação na SACC.

Novamente, a sorte/destino/aleatoriedade estava ao meu favor. Decidimos uma forma de coordenação do grupo, o mais horizontal possível e comecei a montar a eleição junto com outras garotas. Nessa época eu confiava zero no meu potencial, mas algumas boas amigas quase me obrigaram a me candidatar como coordenadora. Me candidatei e fui a primeira coordenadora do grupo. Cada vez que fazíamos algo e que juntava mais as garotas, que debatíamos, que tínhamos momentos sérios e de lazer, me dava a satisfação de estar fazendo o certo.

Nesse meio tempo, junto a outros amigos, começamos a estruturar a reativação do Centro Acadêmico (CAESI para os íntimos) e foram bons meses de leituras, burocracias, reuniões e sonhos em forma de arquivos no drive. A assembleia de reativação do CAESI foi também o dia que percebi que meu compromisso com a comunidade acadêmica tinha sido feito. Eu já tinha deixado de ser coordenadora do Elas e queria focar em trilhar um caminho para o mestrado.

Até hoje meu coração é só alegria quando começa um novo período e várias meninas entram no grupo do Elas. Entram já fazendo amizade, contando o que acham do curso, tirando dúvidas… Tendo tudo aquilo que eu nunca tive quando entrei, mas que tenho certeza que teria me dado mais confiança para não abaixar a cabeça em momento algum.

Caravana do Elas@Computação e CAESI na Roadsec 2018.

Caravana do Elas@Computação e CAESI na Roadsec 2018.

Então, em um belíssimo dia em 2018, que fui junto com o Elas e o CAESI para um evento em João Pessoa. O evento em si não era da minha área, mas eu estava muito animada para ver os dois grupos cooperando juntos. Mais uma vez a sorte/destino/aleatoriedade age e Marta, minha cria (aqui vale o espaço para dizer que chamo de cria todas as meninas que vou adotando e mentorando durante a vida acadêmica) mais antiga, me apresenta uma amiga dela que estava no evento e que também era de computação. Conheci Andressa, sentamos juntas durante a palestra e no fim do dia já estávamos com o plano de futuramente fazer uma comunidade de mulheres na Paraíba.

O plano saiu do papel rapidinho. Andressa chegou para mim, dizendo que a gente tinha que montar um PyLadies e diferente da maioria, esse seria a nível estadual. Aceitei, com toda certeza. Sempre amei Python, sabia que comunidade era meu lugar e queria contribuir mais do que só a nível universidade. Com esse convite de Andressa para me juntar a essa ideia, começa a minha história de amor mais longa e feliz.

Foto do minicurso de dados do PyLadies Paraíba

Foto do minicurso de dados do PyLadies Paraíba em setembro de 2018.

Para quem passa trinta minutos falando comigo, sabe o quanto me orgulho da comunidade do PyLadies Paraíba. Desde 2018 estamos ativas em minicursos, palestras, rodas de conversa, e fofoca também, eventos e mais eventos… O PyLadies Paraíba hoje é um grupo que está presente em todo canto do estado. Conseguimos manter nosso capítulo ativo mesmo sem estar fisicamente presentes. Nessa caminhada muitas chegaram para dividir as tarefas de organização, para ajudar a estruturar e diversificar nossa visão.

Com o grupo perdi toda e qualquer vergonha de um palco, até porque sempre me colocam na roda para falar em público. Aprendi a entender minha capacidade de montar e mentorar um minicurso, e poucas coisas me dão tanto prazer quanto passar um dia inteiro ensinando python para uma turma. Desenvolvi a prática habilidade de convencimento, para trazer novas garotas para o PyLadies, e me divirto demais quando alguém diz que entrou na comunidade depois de uma conversa comigo.

Foto do PyLadies Day 2019

Foto do PyLadies Day 2019.

Sinto, mais uma vez, que minha contribuição está feita. E o próximo passo já está encaminhado também. Do ano passado para cá é provável que tenham visto mais esse rostinho fora da Paraíba ou aparecendo mais pelo PyLadies Brasil. Conheci uma galera nas Python Nordeste que participei e já me sinto confortável para contribuir com a comunidade a nível Nordeste e Brasil. Fui acolhida e ganhei casas em vários capítulos, tenho amigas nesse Brasil todo e tenho um orçamento apertadíssimo para o tanto de viagem que farei para visitar cada uma.

Em todos esses anos, eu nunca me senti tão acolhida na área da computação. Meus amigos, os lá do começo, estão presentes todos os dias da minha vida, mas muitos novos vieram chegando para somar. Eu sou grata a todas que me apoiaram e almejo cada dia que as comunidades cresçam e que sejam espaços seguros e confortáveis para quem estiver.

Costumo dizer para uma garota quando se entra no PyLadies Paraíba que ninguém ali sabe tanto que não possa aprender, nem sabe tão pouco que não possa ensinar. Eu, com certeza, aprendi e ensinei muito. E continuo na saga sabendo que Dandara não seria Dandara sem o Elas@Computação, o CAESI, o PyLadies Paraíba e o PyLadies Brasil.

Ps.: O título desse post é uma referência ao meu livro favorito e tal qual a vida em comunidade, ele me marcou muito. Recomendo e ele está disponível aqui.